Saiba como o treinamento da visão pode
lhe ajudar a ser mais eficiente na pilotagem.
Essa matéria foi escrita há mais de três
anos, mas por ser tão pertinente e atual, decidi republicá-la. Continuo
identificando em meu curso de pilotagem mais de 80% dos alunos com algum tipo
de problema relacionado a como utiliza a visão para a pilotagem.
O principal sentido de nosso corpo
durante a pilotagem é sem dúvida alguma a visão. É através dela que colhemos
todas as informações ao nosso redor e iniciamos o processo decisório de como
iremos interagir com o meio.
A maioria não se dá conta da importância
de como executamos esse processo – para onde olhamos, o que exatamente vemos,
ou não vemos.
Amplitude
visual
Primeiramente é necessário compreender
que nossa visão é composta de visão
focal e visão periférica. Chamamos de focal, aquela área para onde olhamos
diretamente à frente, e enxergamos com exatidão os contornos de maneira
totalmente nítida. Mas essa é uma região muito pequena – pode ser representada
pelo tamanho de uma moeda à distância de um braço. Na medida em que nos
afastamos dessa região de foco, tudo parece ficar desfocado, embaçado, e quanto
maior a distância do ponto focal, maior o desfoque. Tendo em mente que temos
aproximadamente 170 ° de visão horizontal e 140° de visão vertical à
disposição, a área focal é muito pequena, obrigando nossos olhos a se
movimentarem com velocidade em todas as direções, buscando mapear o ambiente
para nosso cérebro. Uma vez mapeado, o ambiente é monitorado através da visão
periférica, dando-nos a noção espacial de onde cada coisa se encontra.
Foco
x Atenção
Torna-se necessário salientar que a
atenção que se dá a um objeto não precisa ser necessariamente feita através da
visão focal. Apesar de ser a forma mais usual, é preciso reconhecer que nossa
atenção pode migrar para o âmbito da visão periférica. Para entender melhor
esse conceito, experimente o seguinte exercício:
Sente-se à uma mesa e coloque sobre ela
alguns objetos, como copo, caneta, óculos, chaves ou qualquer outro.
Disponha-os de maneira a ficarem relativamente distantes uns dos outros, mas
dentro de seu campo de visão e alcance. Agora olhe diretamente à frente e
escolha um ponto qualquer que possa ver nitidamente. Sem mover seus olhos desse
ponto, os objetos na mesa devem estar em seu campo de visão periférica. Tente
agora pegar um desses objetos, mas sem mover os olhos do ponto que está vendo
nitidamente, à frente. Verá que é perfeitamente possível colocar sua atenção no
movimento de sua mão para alcançar um desses objetos, estando ainda olhando o
ponto focal. Fica assim evidenciado que a atenção ao ambiente não é exclusiva
da visão focal, mas, no entanto, por ser mais usual e comum a ação de olhar
para o objeto antes de manipulá-lo, acostumamo-nos com essa ação e a repetimos
para a maioria das instâncias, deixando de treinar a percepção periférica.
Acontece que durante a pilotagem, é preciso exercitar essa mudança da atenção
entre o ponto focal e a periferia de sua visão, para garantir melhor
consciência situacional, gerando maior segurança.
Durante a pilotagem, nossa visão tem o
papel de encontrar o caminho por onde devemos passar, além de identificar
empecilhos que constituam alguma forma de obstáculo ou perigo. Por estarmos em
movimento, em uma velocidade superior a que nos é natural – a do andar –
sofremos a ação da velocidade principalmente de duas formas: queda e
estreitamento da visão.
Visão
curta
A "queda da visão" acontece
durante o movimento à frente, porque tendemos a olhar objetos que identificamos
em nosso caminho, acompanhando durante algum tempo seu deslocamento em nossa
direção. Ao elevarmos a visão novamente para o horizonte, já o fazemos a uma
menor distância, repetindo o processo com outros objetos. Esse vai e vem dos
olhos, faz com que a média de nossa atenção fique concentrada muito próxima da
moto, tendo dessa forma, pouco tempo para reagir às eventualidades. Essa
tendência deve ser combatida com muita concentração, policiando-se sempre em
manter a visão focal lançada à maior distância possível, na direção pretendida.
Como dito, seu papel é de identificar possíveis obstáculos e principalmente
buscar por soluções, permitindo que o obstáculo seja monitorado pela visão
periférica. Devido a nossa psique, também tendemos a concentrar excessiva
atenção ao objeto de risco, o que freqüentemente faz com que nos movamos em sua
direção. É necessário encontrar imediatamente uma solução, e focar nela –
enquanto o monitoramento do obstáculo fica a cargo da visão periférica.
Visão
em túnel
Já o "estreitamento da visão"
normalmente acontece pela excessiva atenção focal que se dá na área por aonde
irá se passar. Os olhos buscam mapear com tal intensidade diferentes pontos em
torno da área central, que começa a existir uma perda de noção lateral. Esse
"afunilamento" normalmente está associado também à tensão,
principalmente gerada pela falta de experiência. É mais comum nos primeiros
estágios do aprendizado da pilotagem, mas também é sentida por motociclistas
experientes em longos percursos de pouca atividade – como intermináveis retas.
Uma boa maneira de combater é variar a posição do olhar, dirigindo-o a paisagem
por um breve período. Manter-se ocupado checando com periodicidade os espelhos
e painel da moto, também ajuda a combater o fenômeno, além de elevar a
consciência situacional.
Trabalho
mental
Ambos os fenômenos devem ser trabalhados
pelo piloto aumentando a utilização da visão periférica. É um simples exercício
mental, que pode ser feito em qualquer ambiente, algumas vezes durante o dia.
Consiste em focar um objeto a sua frente, e sem retirar a atenção dele, fazer
um mapeamento de tudo que se consegue captar com a visão periférica, fazendo um
registro mental da área em seu redor. É vital que a visão focal seja mantida
centrada no objeto especificado, não permitindo que se desloque para outros
pontos. Tendo registrado o espaço disponível que tem em torno de si,
desloque-se em diferentes direções ainda sem tirar os olhos do objeto
escolhido. A diferença de perspectiva ajuda a firmar melhor seu em torno e
força a percepção periférica.
Como a maioria dos motociclistas também
é motorista, proponho um exercício que ilustra o grau de dificuldade que todos
temos em aceitar a informação vinda dessa área "nebulosa" da visão
periférica. Quando estiver preso naquele trânsito que "anda-e-para",
principalmente encontrado nas grandes metrópoles, tente focar o veículo atrás
de você observando-o através do espelho central. Devido à posição de sua
cabeça, a visão periférica deve ser capaz de ver o veículo à sua frente. Sem
retirar a atenção e visão focal do que está atrás de você, tente notar o
afastamento do que vai à frente, promova o movimento necessário para
acompanhá-lo, e após notar sua parada, execute também a parada em tempo e
distância adequados. É muito provável que não consiga de imediato – a tendência
da maioria é deslocar o olhar para o veículo da frente pelo menos por um
instante para se certificar da distância e velocidade. Esse exercício ilustra o
quanto somos dependentes da visão focal, e a margem que temos para explorar
melhor a utilização da periférica.
À
frente das situações
O treinamento da visão periférica é
fundamental para a pilotagem, pois libera a visão focal para buscar obstáculos
e soluções, com o firme propósito de colocar-nos à frente das situações em
tempo hábil. Quanto mais tempo temos para avaliar uma situação, mais elaborada
e concreta é a ação executada. Como visto em artigos anteriores, a "regra
dos dois segundos" aplica-se com propriedade nesse conceito de "visão
proativa", delineando qual o mínimo que buscamos em termos de visão, para
promover a adequação da velocidade. Em outras palavras, devemos ter visão de
todos os possíveis obstáculos estando no mínimo há dois segundos deles,
estabelecendo assim uma velocidade
pertinente à nossa capacidade reacional. Em ambientes com agentes
complicadores como neblina ou chuva, esse tempo mínimo deve dobrar, levando em
consideração as características do pavimento.
Treine bastante a qualidade de sua
visão, e logo perceberá como a pilotagem ficará mais "fluida",
gerando conforto e segurança.
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