A ilusão de uma eventual reserva pode
lhe colocar em situações de risco
Na época competitiva em que vivemos,
todos os aspectos da vida moderna ganham contornos de busca pela eficiência e
melhor aproveitamento de todos os recursos. Ainda que desejável e louvável que
pensamentos que buscam um melhor aproveitamento de recursos estejam em
evidência, é preciso tomar certo cuidado em como se administram aqueles tidos
como reserva.
Você pode imaginar caro leitor, que o
tema pode não ter muita relevância para a pilotagem motociclística, mas um
pouco mais à frente entenderá onde quero chegar.
O
que é reserva?
De forma prática, podemos dizer que uma
reserva é parte de um todo que não se planeja usar, mas com a qual se conta
para utilização eventual em caráter de condição especial. Para deixar mais
claro, cito o exemplo da reserva do tanque de combustível. Todos os veículos
fabricados possuem reserva em seus tanques, com a finalidade de ser um ponto no
consumo do combustível em que o usuário seja alertado de alguma forma para a
necessidade de reabastecimento. Note que nesse ponto a reserva permite o alerta
sem a interrupção do consumo, servindo apenas para dar essa ciência ao
condutor.
No entanto, todos os fabricantes de
veículos colocam em seus manuais de utilização que o tanque de combustível deve
ser mantido cheio, ou próximo a isso, evitando utilizar-se da reserva.
Mas quantas vezes todos nós já invadimos
essa zona derradeira sob os mais variados pretextos ou até mesmo necessidades?
Suponho que muitas. Eu, certamente o fiz.
E há algum problema nisso? A princípio,
não, mas uma análise mais cuidadosa irá revelar que o próprio fato da reserva
existir dá peso psicológico no processo de tomada de decisão que não pode ser
desprezado e muito menos negligenciado. Vejamos agora um exemplo menos inocente
que uma simples pane por falta de combustível e o impacto que tem nas decisões
formuladas.
Uma
estrada qualquer
Esse tema surgiu de uma conversa com
amigos motociclistas quando um deles externou que em seu planejamento de tomada
de uma curva leva em consideração a largura da pista para decidir sua
velocidade, inclinação e outros parâmetros configuráveis da moto em curva.
Curioso, formulei um cenário como exemplo, onde o meio consiste de uma estrada
de pista simples, uma mão em cada direção e curvas sequenciais de média
velocidade. A escolha foi proposital, pelo grau de risco que essas estradas
representam e por serem do tipo mais comum encontrado em todos os estados
brasileiros. A primeira pergunta que ele me fez foi quanto às condições da
estrada – se o pavimento é regular e se possui acostamento. Indagado por que o
fato de ter acostamento modificaria sua postura de como tomaria a curva,
externou que contava com o acostamento e a pista contrária como “áreas de
escape” caso algo desse errado. Essa seria no caso sua “reserva”.
Assim como ele, muitos motociclistas vão
à estrada considerando as condições exatamente da mesma forma, como se
acostamento e pista contrária poderiam de fato ser utilizáveis. Mas a pista
contrária é contramão, com outro veículo trafegado por ela é morte certa, se
invadir a pista. Porque alguém consideraria a possibilidade de utilizar essa
reserva quando o risco se torna totalmente inaceitável?
A verdade é que todos nós acabamos por
cogitar uma eventual possibilidade de utilização simplesmente porque os
recursos estão lá.
No
fio da navalha
Agora cabe uma reflexão – esses recursos
podem de fato ser considerados utilizáveis? Penso que não. Se desejar segurança
para mim e para os demais, uma estrada de pista simples significa que tenho a
minha disposição apenas a minha faixa de rolagem – e nada mais. Independente de
ter acostamento ou não. Se analisar a situação de uma curva nesse cenário e
considerar a pista contrária como eventual opção, naturalmente acabaria por
explorar a proximidade de seus limites. Nesse caso, a faixa que divide as duas
pistas ou o bordo que divide a pista principal do acostamento. Esse uso próximo
ao limite eventualmente acabaria em algum exagero e acabaria tendo de fato de
usar essa reserva de pista. Obviamente que a situação poderia se transformar em
desastre, como infelizmente ainda acontece em todas as nossas estradas.
Permita-me mais uma analogia para
exemplificar como podemos ser ludibriados pelas circunstâncias. Imagine-se no
alto de um prédio de trinta andares e que na borda não existe qualquer
proteção. Se alguém lhe pedisse pra andar nessa borda à apenas alguns
centímetros de uma queda fatal, você iria? Assim como eu, provavelmente você
também não iria. Mas se eu mudasse as circunstâncias e nesse mesmo cenário
acrescentasse um tapume de madeira que se estendesse por cerca de um metro além
da borda do prédio e lhe dissesse que o tapume é bem firme, mas que não poderia
garantir que aguentaria seu peso, se arriscaria a passear pela borda do prédio?
Pois saiba que boa parte das pessoas responderia que sim, e é onde incorremos
em erro. Contamos com a reserva sempre que ela se apresenta.
Reeducação
É onde podemos modificar nossa postura
ao pilotar. Se analisarmos as situações com maior clareza, logo ficará evidente
que para nós, motociclistas, reservas não deveriam ser cogitadas, contando
sempre apenas com a porção principal, do que quer que se esteja avaliando.
Dessa forma, ficaríamos bem aquém desses limites aumentando consideravelmente a
segurança. Pense nisso e em quais situações faz uso de reservas. Talvez esteja
se arriscando por estar iludido quanto à viabilidade de uso de algo que, pelo
bem de seu estar, não deveria existir.
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